Em cada templo hinduísta, em cada dança ou artesanato, o épico Ramayana é louvado.
Em suma,o príncipe Rama sai à procura de sua amada Sita, a mesma havia sido sequestrada por Ravana, o rei demônio.
Cada vez que ouvíamos essa história (que por sinal é linda e repleta de símbolos psicológicos, como todas as epopéias) olhávamos uma para a outra e sorríamos em cumplicidade.
Somos amigas de muitos anos, com histórias muito profundas de vida que se entrelaçaram ao longo dos últimos anos.
Nossos sorrisos de cumplicidade à Sita, tinham por base nossa própria cumplicidade feminina construída ao longo desses anos todos.
E também ,com raízes menos profundas, aos términos recentes de nossos últimos relacionamentos.
Silvia de um longo namoro, e eu, de uma promessa de um amor de verão que acabou durando 4 estacōes.
Falávamos de sintonia, de quando começa a haver interferências que tiram as estaçōes do lugar, desarmonizando o fundo musical, ou ainda, em qual estação deveríamos descer e tomar outros rumos.
Será que a gente sabe de fato? Será que a gente tem ao menos coragem de perceber que algo acabou sem nos dar aviso prévio?
Ou será que o aviso é tão gritante, esta tão na frente dos nossos olhos, que por isso mesmo a gente nao consegue ter a visão im-parcial do todo?
Existe visão imparcial nas questōes do coração?
Acredito ser o coração o órgão mais democrático do nosso corpo; os olhos ,com seu olhar, vem logo a seguir.
Não tem como ditar ordem alguma a ele, não tem como evitar sentir o que ele comanda, ele manda e pronto.
Eu costumo obedecê-lo, e gosto dessa tarefa, mas ele é doce e tirano, duro e maleável, mutante e fixo, ele pode ser colorido e pode ser branco e preto; ele pode ir ficando cinza, a pior cor para um coração.
Ele pode tudo!
A cabeça nem sempre anda de acordo com ele, e daí começa a interminável batalha. Somos experts nisso.
Bem eu sou, acho que Silvia é mais” cool” do que eu nessa questão, ela decide e fica firme, corajosa, às vezes como uma rocha, às vezes como aquela rocha que a água bate nela, vai e volta, se encharca ,bebe dela, saboreia, mas no final continua a ser rocha.
Eu não, eu me misturo com a rocha, com a água, com as tormentas, com tudo mas também pode ser com nada, porque tenho sempre a coragem e a verdade como co-pilotas em minhas decisōes.
Por outro lado, dias atrás ( após uma dança típica balinesa em um templo, que entramos por acaso, andando nas ruas de Ubud) jantando de frente a um lago repleto de flor de lótus e conversando sobre variaçōes sobre o mesmo tema, trocamos algumas percepçōes:
Será que há uma parte tão vaidosa dentro de nós que não aceita os términos, que não aceita que não seremos mais cortejadas?
Será que há uma parte tão desconectada dentro de nós, que não aceita que a admiração e o desejo acabaram, o nosso e o deles?
E, talvez uma parte que poderíamos entregar de bom grado ao Dr Fausto, que numa rica e perversa composição, fechamos os olhos, não queremos ver.
De uma vaidade que dança ao redor dos nossos anseios, sonhos, desejos, aspiraçōes, seja lá o que for, nobre ou não, vai nos consumindo até não sobrar nada que não seja o que já estava lá!
E semanas antes de viajarmos, num grupinho delicioso de amigas íntimas,cozinhando descalças na cozinha acolhedora, rindo, bebendo um bom Bordeaux ,mexendo agilmente no risotto de aspargos frescos,roquefort e pera ( damos a receita!).
Vamos (RE) lembrando (?) umas às outras cenas e mais cenas que presenciamos umas das outras, dentro ou fora desses relacionamentos, com todo respeito que duas ou tres garrafas de vinho podem e devem emprestar a esses solenes momentos.
E por que nesses momentos uma lucidez que estava de férias há tanto tempo, nos incorpora e dizemos:
É claro! É isso mesmo, com eu não vi!?
E por que ao término do jantar, agora já partindo para cima de um sorvete crocante com calda de chocolate e frutas do bosque, e um lindo prato de frutas sortidas ( para minimizar a culpa, e que fica intocado até o dia seguinte).
A gente ainda para e olha para alguma amiga, ou para todas, dependendo do teor etílico a percorrer nosso sangue, e dispara:
Mas você acha mesmo que eu fiz certo em terminar?
E dai segue uma organizadíssima e surpreendente sessão de psicodrama, cada qual revezando no papel da vítima ( nós claro, sempre) X algoz ( eles claro ,sempre).
As gargalhadas são tão intensas nesses momentos, que devo considerar um pedido de desculpas à Jacob L. Moreno ( pai do psicodrama) ,uma vez que não seguimos com a seriedade necessária, a proposta que eu tanto aprecio como linha terapeutica.
Há uma frase de Huxley que discuti muito ao longo das minhas ” quatro estaçōes”, após me ser ofertada por um grande amigo de longa data.Daqueles que a gente chama às 00:10, chorando, pedindo colo, ou pedindo um raio de lucidez, para compreender as questōes dos apaixonamentos arrebata-dores!
Aquelas questōes que dançam na mente que não se aquieta.
E quando se aquieta, vem a tirania dos silêncios ensurdecedores…
E mais uma vez, meu grande amigo estava lá me acalmando, num dos inúmeros momentos de infinitas despedidas.
Ele me dizia, que todas as vezes que havia passado por isso re lia essa frase:
“As grandes elevações do espírito, em que às vezes a alma vibra, são
estados onde ela não pode se manter; ela faz aí incursões
acidentais”.
Eu não sei o que vocês pensam e gostaria de saber, mas eu sempre discutia isso com P, meu amigo querido e dizia a ele:
Se estamos caminhando para algo mais verdadeiro, honesto, real, que agregue um significado elevado de fato à nossa condição humana, não posso concordar com Huxley.
A alma é vibrante, sempre será, a não ser que a adoeçamos, que a percamos de vista, que nos afastemos de nossa essência .
E mesmo assim ela permanence lá, à espreita de ser salva, sempre…
Como Sita….