(Este texto pode te ajudar ou te assustar. Afinal, certamente, você reconhecerá alguém de suas relações nele. Caso sim, por favor, leia até o fim!)
Quando eu era criança, lembro de duas histórias que me impactaram! A primeira era de um filme que fez sucesso com Terence Stamp e Samantha Eggar. Chamava-se “O Colecionador”, e contava a história de um moço simples, estranho e tímido que colecionava borboletas. Ele fazia o trabalho de selecioná-las e organizá-las, com extrema dedicação. Havia sensibilidade em sua atitude. Um dia, ele ganhou na loteria e resolveu que, agora sim, poderia dar vazão ao seu sonho maior.
Como era incapaz de outras formas de conquistar certa moça que não lhe dava bola (Samantha Eggar), aparentemente apaixonado por ela (o que, na verdade, é traduzido em linguagem analítica por obsessão), ele resolve que iria caçá-la e mantê-la viva, em um local preparado especialmente para isso: sua casa, no porão, assim como fazia com as borboletas. As “suas” borboletas!
Sem detalhar muito a trama, e os caminhos que o algoz fez, é o jogo de presa e predador que ambos estipulam.
Quando ela morre, ele, como todas torcíamos, choraria pela sua perda, sensível que era, e, finalmente, entenderia o que era o amor, certo? Só que não: ele se recompõe e sai à procura de uma nova vítima!
A segunda história era um conto intitulado “Barba Azul”. Como o próprio nome diz, um homem com uma longa e estranha barba azul. Nobre, rico e feio. Sua perversão residia em capturar as esposas em seu castelo, através de exímia sedução, e enclausurá-las. Após a conquista, ainda no início do casamento, oferecia a melhor vida que ela, na sua ingenuidade – poderia desejar. E, por fim, as liquidava uma a uma, empilhando os seus esqueletos em um quartinho escondido. No entanto, certa vez, ele falhou! E falhou porque todo psicopata tem um ponto cego – a sua vaidade!
A mocinha do conto era astuta o suficiente para perceber isso. Psicopatas possuem códigos de ética próprios, que seguem com muito rigor e zelo. Em uma brecha de seu momento de ‘nobreza’ e ‘bondade’, e após toda a maldade que ele já havia cometido, ela consegue com a ajuda dos irmãos, capturá-lo.
Um exemplo típico e brilhante de como trabalha a mente doentia dos psicopatas é a cena que antecede o final do filme “Hannibal”, quando o protagonista cuidadosamente prepara o jantar… Lecter, o canibal refinado, culto e elegante, vai às compras a procura das especiarias que iria utilizar. Todas escolhidas e pensadas como seriam preparadas. O vinho absolutamente impecável. A mesa posta com o requinte de quem sabe as normas mais nobres de etiqueta. Música clássica.
Loft espaçoso e decorado com bom gosto. Luz suave…
O êxtase maior reside no momento que ele escuta da sua vítima, sentada no lugar de honra, a pergunta: “do que se trata essa deliciosa iguaria?” E o estarrecimento que vai tomando conta do convidado é proporcionalmente contrário ao prazer estampado no rosto de Hannibal ao revelar, calmamente, que degustavam tutano – precisamente o dela própria que, agora, sentia o sangue escorrer pelo seu rosto.
O que me chama a atenção em todas essas histórias é um desejo velado de ser descoberto e, talvez (talvez!), redimido. É com isso que eles contam e é aí que as vítimas escorregam. As armadilhas são muito elaboradas, sofisticadas e, por isso mesmo, trazem à tona um estado confusional. Nunca se tem certeza de nada.
Muitas vezes, se mostram frágeis, ou tímidos… É com esse “desejo de serem salvos por uma boa alma” que eles contam. Woody Allen mostra isso com maestria em seu filme “O homem Irracional”. O personagem do título é um homem que pode estar aqui, ao nosso lado, no cotidiano: um professor de filosofia, um cidadão quase acima de qualquer suspeita e, também, um psicopata cinco estrelas!
O mais notável, porém, são os relatos pós-filme de muitas pessoas, em sua maioria mulheres, que não o consideraram psicopata! Woody Allen é um gênio! Conseguiu extrair a seiva mais difícil dessa mente sedutora e doentia, e deixar esse estado confusional nos espectadores.
Percebe-se, no entanto, e só ao longo do tempo – se você tiver a infelicidade de ter um desses exemplares por perto – que a energia de quem está à mercê deles vai sendo minada, sugada, subtraída. A percepção, ou faro, um fator que, antes, funcionava tão bem, começa a falhar. E, pior: a desconfiança de que é você quem está errado, ou entendeu errado, deixa a vítima ao relento, pronta para ser abatida na hora certa!
Ir minando a condição de humanidade que ainda permanece no seu alvo é o seu esporte favorito. Eles têm tempo e códigos de extermínio. Pode ser com uma pistola, um arco e flecha, ou com a arma mais comum: a degradação emocional. Usam de diversas técnicas para atrair a confiança e a simpatia. Por exemplo: sem mais nem menos, se encantam com algum mendigo, ou um homem simples, ou uma moça X. Mostram real desejo de ajudá-los e, muitas vezes, até o fazem.
Causa estranheza toda essa simpatia (como são generosos!), mas ela é muito bem manipulada. Faz parte do “jogo dos bons modos para emboscadas sutis”. Porém, se desencantam das mesmas com extrema facilidade e velocidade. Gostam de sentir que são justos e protegem os menos favorecidos. Mas basta um deles se manifestar para além do permitido e será emocionalmente guilhotinado.
Pessoas que convivem muito tempo próximas a eles, invariavelmente adoecem! Não se iludam: não há empatia alguma na composição de seu caráter. Choram, se é que choram mesmo, muito mais porque não atingiram algum plano, ou algo saiu do controle (um dos seus grandes temores), do que pela dor alheia. Aliás, dor, empatia, valores éticos e amorosidade não fazem parte da bíblia que rezam. Nesta, não há um único versículo que os ensinem a ser ressonantes com as emoções do outro. Não há empatia.
Amar um ser humano está na mesma linha de amar um bem material. Só muda a frequência, mas é o mesmo tipo de amor, muito embora não me convença escrever a palavra ‘amor’ neste caso.
Como são astutos e tenazes, normalmente conseguem tirar vantagens burlando as leis, um dos seus esportes prediletos. Para eles, o mais forte (sempre eles) vencerá o mais fraco (os outros). Eles sabem sempre mais, e não lhes faltam argumentos extenuantes. Vencem pela insistência. Não há limite. Adoram tirar vantagem. Culpabilizam o outro, o grupo, a nação! Todos estão errados. Saem de vítimas. E sua crueldade começa a emergir.
São arrogantes, mas de forma velada. Como têm medo de serem descobertos na sua insegurança existencial, usam essa capa para protegê-los. Essa arrogância é como um tempero muito forte que sobressai para disfarçar o prato que está ruim.
E esse é o maior perigo para donzelas e moçoilos incautos ao conhecer um homem ou uma mulher com essas características. Amáveis, inteligentíssimos, sedutores, bajuladores, geralmente estão em cargos de poder – eles não aceitam ordens – e, se ainda não estão no cargo desejado, invejam muito os que lá estão. Farão de tudo para, se preciso for, “puxar o tapete”, contaminar o entorno com meias verdades – o suprassumo no requinte do psicopata – e subir no seu pódio particular, onde o mundo os aplaudirá. Se isso não ocorre, eles culpabilizam fatores externos pelo seu fracasso. Enganam e mentem, com os olhos cravados nos seus. A sofisticação é tão grande, que suas mentiras são dotadas de grande parcela de verdade. Podem jurar pelos filhos, pela mãe, pelo Espírito Santo… Não estão nem aí. Têm sempre uma saída astuciosa.
Mas o mal maior, como muito bem disse um amigo meu, é que ele não para. Ele é uma enxurrada que, por onde passa, arrasta todos com ele. Normalmente, psicopatas se alimentam da pureza ou da ingenuidade de alguém próximo, muito próximo. Como um vampiro que, quando a sua fome de sangue não estiver saciada, irá atacar novamente. Psicopatas não sofrem, no sentido profundo de transformação humana, pela dor. E também não deprimem! Aliás, é muito comum ouvi-los dizer, “passei por uma fase difícil e triste, mas nunca fiquei deprimido.” Eles não suportam sair do roteiro que traçam meticulosamente.
Mas por que as vítimas não enxergam, ou demoram a perceber, a essência do psicopata?
Primeiro, porque o diagnóstico é demorado. Segundo, porque o psicopata abusa do seu poder de encantamento e, simultaneamente, a sua vítima, quase sempre, tem esperança de que ele vá mudar, que as coisas vão melhorar e que a felicidade, um dia, chegará… Ledo engano! Pior: a submissão de suas vítimas equivocadamente é pensada como um antídoto para a maldade. Pelo contrário, isso apenas abastece e o empodera para o próximo capítulo.
Depois, porque conhecem a mente humana como ninguém: é lá que fixarão suas residências, fazendo com que suas vítimas entendam estar sendo cuidadas, quando, na verdade, estão sendo oprimidas. Sabem todos os seus gostos, seus gestos, seus desejos… Seu leitmotif é sempre o que reside entre: dominação e vingança. Conhecem cada recôndito da sua alma. São seus fornecedores de primeira mão. Farão de tudo para ganharem a sua confiança. E você confiará neles!
Mas não se iluda. Não há remédio melhor do que a fuga. Você deve, sim, partir, abandonar aquele ser à própria sorte e ir em busca da sua felicidade.
O perigo reside dentro de nossa ingenuidade. É preciso muita sabedoria e faro apurado. Lembre-se sempre que, no escurinho do seu romantismo, você chegou até a dizer que “o azul daquela barba nem era tão azul assim”? Pois então…