“Por isso não provoque, é cor de rosa choque”
Rita Lee
A manicure perguntou apontando a caixa de esmaltes:
– Qual cor gostaria?
As opções eram muitas. Eu ia levantando os frascos e lendo o nome das cores, todos muito poéticos, até que me deparei com um chamado: “Poder de Muitas”.
Escolhi esse esmalte lembrando da força de uma amiga que recentemente saíra de casa porque seu casamento tinha virado uma guerra.
– Eu me vi na rua, sem saber pra onde ir. O único lugar que encontrei foi um templo budista próximo de São Paulo. Fiquei um mês. Raspei meus cabelos (ah, os cabelos femininos sendo cortados!) e saí de lá com a certeza de que faria eu mesma um lugar para receber mulheres que decidem mudar o rumo da vida e ficam sem acolhimento. Faria uma casa onde as feridas pudessem ser expostas e elas tivessem tempo para se aprumarem com calma.
Senti na conversa com minha amiga uma força genuína renascendo. Porque o que é demandado da mulher não é brincadeira, principalmente quando ela toma uma decisão que incomoda o status quo de outros.
Lembrei, então, de um trabalho que desenvolvi sobre resiliência e acolhimento com mulheres da área da saúde que tinham Síndrome de Burnout. Elas exerciam – para além dos próprios limites – papéis agudos, autoritários, muitas vezes indo na contramão do desejo mais profundo da ginga feminina que é a conexão circular com o outro. Todas exaustas por terem que desempenhar papéis de alta responsabilidade. Enfrentavam conflitos com a maternidade, com a falta de vida pessoal e o trabalho excessivo. Uma das participantes me perguntou:
– Lilian, o que a gente faz quando a capa da mulher maravilha vai pra lavanderia?
A pergunta grudou em mim de tal forma que nunca mais esqueci.
Como seria viver sem o peso da capa da super-heroína? Como mostrar às mulheres, inclusive a mim mesma, que a capa mais poderosa é nossa autonomia e nosso autoconhecimento? Como entender que não temos obrigação de saber tudo?
Vivi muito tempo com a capa da mulher maravilha pregada no meu corpo. Quando estava quase asfixiada, percebi que não precisava saber tudo e que minha ignorância não me impedia de acolher o outro. Como gritar aos quatro ventos para as mulheres não entregarem seu poder pessoal nas mãos de outrem? Ninguém sabe mais sobre si mesma do que você. Nem médico, nem psicólogo, nem xamã algum. Podem ser um grande suporte nessa viagem de autoconhecimento e fazer uma grande diferença na caminhada de volta à nossa essência, mas não podem se tornar os protagonistas da sua vida. Jamais! A decisão final será sempre de cada uma. E, sim, as amigas são um bálsamo nos momentos mais difíceis de nossas vidas.
Ainda vivemos sob o pesado manto medieval, a caça às bruxas nunca cessou. Veja os EUA agora votando o aborto, um retrocesso! Você acha que alguma mulher no mundo quer tirar um bebê de dentro de si? Muitas vezes essa é a única opção.
Cada vez que se tenta argumentar sobre aborto, vem uma chuva de críticas e condenações. Por que tirou? Por que não deu pra adoção? Por que deu pra adoção? Por que não fez laqueadura? Por que fez laqueadura? Quem disse que a mulher precisa justificar suas atitudes o tempo todo?
Veja o caso de uma separação, por exemplo. Dificilmente as pessoas aceitam uma mulher que tomou ela própria a iniciativa de se separar. Mesmo que não tenha ninguém em vista, que ela só queira ficar sozinha.
Há pouco mais de um ano, no carnaval da Sapucaí – RJ, muitas pessoas criticaram uma modelo famosa por ganhar mil vezes mais – por sua brevíssima aparição no camarote de uma marca de cerveja – do que a faxineira que, no dia seguinte, passou horas limpando toda a sujeira da festa.
Na minha opinião, ninguém estava nem aí para o salário da faxineira. Jogaram no ombro de Gisele toda a conta da injustiça social apenas porque ela teve coragem de se separar do marido lindo/magnífico/uau/milionário. Como pode dispensar aquele deus? Possivelmente se ela ainda estivesse no casamento, os comentários teriam sido mais generosos.
Enquanto escrevo essa crônica, paro para um cafezinho, olho as minhas unhas pintadas com o Poder de Muitas, e escuto entristecida sobre a morte de Rita Lee. Talvez uma das minhas primeiras musas a me ensinar o que realmente é o poder e originalidade de uma mulher.