Se você conhece algum tipo de líder, ou guia espiritual, que afirma ter vivido algum rito de passagem que o enalteceu, o iluminou, que o transformou em um ser totalmente diferente e especial, mas que é quase que impossível de você comprovar, desconfie.
Se este mesmo “mestre” diz já ter sido reconhecido “como um espírito evoluído” por outro grande e inacessível mestre que, ou já morreu ou mora do outro lado do planeta, ou dentro de uma gruta que só os “escolhidos” têm acesso, e você não tem a menor possibilidade de ir até lá, (pela distância), ou por ser muito caro ou, pior, porque não foi “o escolhido”… desconfie.
Se o tal líder desqualifica outras técnicas, vivências ou ensinamentos – em especial da Psicologia – para vender o produto dele, cuidado!
Você ter uma experiência incrível em um trabalho espiritual, que dê um avanço na sua dimensão humana, é uma coisa. Mas dizer, como já escutei, que aquela vivência X valeu por 10 anos de sua terapia é, no mínimo, ingênuo. Eu só posso inferir que a pessoa que me disse isso, ou esteve na terapia errada, ou, se ainda está, talvez não tenha percebido que o prazo de validade dela já passou – sim, isso pode acontecer. Ou, então, o trabalho terapêutico foi tão bem depurado e assimilado à sua psique que facilitou a abertura para melhor compreensão de outras vivências. Porque a meu ver, todas essas experiências são espirituais, só que em camadas diferentes. Por isso que elas têm de ser sempre includentes, nunca o contrário. Da mesma forma, sejamos justos, que um terapeuta desqualificar algum trabalho espiritual, não tem o menor sentido. E claro que não estou falando de Spiritual Bypassing, ou qualquer tipo de “fast food espiritual” – temas que já ficam para outra conversa.
Se o “mestre” exige um pedido de segredo, individual ou em grupo, desconfie.
Explico: o tal mestre divide algum tipo de conhecimento, ou, segundo ele/ela, canaliza para vocês – simples mortais – o supra conhecimento por ele recaptado; que poucos estão “realmente prontos para receber”, mas, oh! Que surpresa: VOCÊ é um dos escolhidos! Mas, veja bem, é preciso ser um segredo absoluto. Ninguém pode saber… Neste caso, também, pode ter certeza que é picaretagem.
E não me refiro ao contrato de sigilo que é implícito ao foro de qualquer grupo terapêutico. Sigilo em respeito aos membros do grupo é um cuidado necessário. Tampouco estou negando a importância no cuidado básico nas vivências para que não se desperdice à toa aquilo que se conquistou. Isso não é da ordem do proibido e, sim, escolher com quem gostaria de partilhar, para não banalizar.
Se existe alguma desigualdade no grupo gerada por desejo de poder do líder – vulgo: dividir para governar, por ex: o seu colega, segundo o líder, está mais evoluído espiritualmente do que você, pois ele sabe coisas que você-ainda-não sabe, então por isso, ele pode acessar o invisível, ou ter mordomias que você ainda não merece –, saiba que isso é outra forma de manipulação. Desconfie.
Nessa mesma linha, vem o tempo exigido de permanência no trabalho. Uma coisa é um acordo dentro de uma perspectiva de ambas as partes, com transparência, outra é, pura e simplesmente, má-fé com segundas intenções.
Um conhecido ficou anos refém de um específico aprendizado que o guia espiritual dele lhe prometia, ano a ano, alegando que a energia do mesmo ainda não estava pronta. Nunca chegou esse dia, até ele perceber que estava sendo enganado, apesar de tudo que ele vivenciou de bom, dentro do grupo, naqueles anos todos. Mas o mestre não o deixava ir. Se quaisquer trabalhos de autoconhecimento não te libertarem, algo está fora do lugar.
Cuidado com sedutores, vão se aproximando porque sabem que você fará de tudo para ser aceito/a, no grupo. Já vi pessoas inteligentes caírem nesse conto e perderem grandes somas de dinheiro.
E é óbvio que tudo isso não está explícito, essa é a cilada.
Se você desconfia da originalidade do que escutou do mestre, mas não tem certeza, vá e cheque. Hoje em dia, está tão fácil. Não que tenha algum problema nisso! Mas a pessoa tem de ter a humildade e transparência para dar a fonte original.
Existem muitos mestres, guias e professores que podem dividir os seus ensinamentos e as suas vivências. E de forma belíssima. Os maiores mentores espirituais que conheci têm uma vida simples, de fácil acesso, tratam todos de igual para igual, e não exigem somas de dinheiro que te causam mal estar. Isso é possível, mesmo com os que têm formações acadêmicas e diplomas diversos, porque a simplicidade, humanidade e transparência deles conseguem transcender a técnica. Eles não sabem mais do que você, e deixam isso muito claro. Eles sabem, da maneira deles, e é isso que pode resultar em uma química maravilhosa, se fizer ressonância. E são nessas trocas de experiências que se pode ter uma dimensão tão profunda de você mesmo, que as suas mudanças ocorrem por este alinhamento. Vem de forma natural. Tudo isso pode, e é sagrado se te faz mais pleno… A Espiritualidade desabrocha de dentro pra fora, no tempo dela, não de um comando externo. É aí que reside a sua maior beleza.
Eu posso dizer tudo isso porque vivi quase todas essas experiências. Até as maravilhosas, nas quais você toca uma corda tão sutil que o som vibra em toda a sua alma, para sempre, pois são guias espirituais com uma força interior, coragem, inteligência, amorosidade e um percurso de vida admirável. São seres verdadeiramente inspiracionais. Mas vivi, também, os engodos, as decepções, o falso “guru”. O mestre que mente, olho no olho, e segura a mentira até o fim.
E se posso dar um conselho – embora eu saiba que, na hora que você está frágil e desejando pertencimento, isso pouco contará – eu diria para você ver o percurso de vida do seu guia, ou mentor espiritual. Não o que ele conta. O passado dele é muito importante. E quando eu digo passado, não são os últimos 10 anos… É passado mesmo! Muitos guias têm passados duvidosos. Podem usar isso a favor deles dizendo o quanto superaram de obstáculos, e pode até ser verdade. Você decide, mas com todas as cartas na mão. Converse sobre eles com pessoas que já estiveram por lá, pergunte mesmo, não se acanhe, não há nada de errado em querer saber.
Uma vez conheci uma mulher interessante. Gostava de conversar com ela, até quando ela me disse que havia trabalhado na NASA e que ainda oferecia consultoria para eles. Alguma coisa, naquele momento, não bateu. Dias depois, ela mandou um e-mail para o grupo e havia uma tradução em inglês, errada do começo ao fim… Enfim, isso não invalidou muitas coisas interessantes que aprendi com ela, mas deu uma desanimada. Eu vi o tamanho da sombra vaidosa dela. Aliás, vaidade é uma chave muito importante para você observar.
Dias desses, escutei de um professor de astrofísica, o Amâncio Friaça, e achei interessante: “A luz não precisa da sombra para existir. A sombra precisa da luz”. Faz todo o sentido neste mundo de tantos abusos espirituais.