Hoje na caminhada matutina vi esta placa na encruzilhada do trem. Ela traduz meu ano pandêmico. Logo no início fiquei apreensiva. Três meses bastante reclusa.
Reencontrar meus filhos e minha netinha foi uma das maiores emoções que vou guardar. Alice, ao me ver, correu e pulou no meu colo. O abraço está reverberando até agora. Em momentos difíceis eu lembro dele.
Mas houve algo inusitado.
A percepção de uma fresta, uma luz no final do túnel. Algo que eu poderia fazer, que poderia aliviar a vida de quem estava em uma situação muito mais delicada do que a minha.
Não era algo intangível do campo do divino ou da magia. Era algo concreto a ser percebido e realizado. Então, com o auxílio de uma rede de amigos muito queridos, resolvemos que, na Comunidade Água Branca, não faltaria a merenda escolar. E na medida do possível, principalmente nas frias noites (que os deixam ainda mais vulneráveis), um sopão.
Foi um aprendizado inigualável.
Conforme fui me envolvendo, mesmo que à distância no início, percebi quão distante estamos nos colocando do outro, que tanto necessita de nós. Não estou falando em assistencialismo. Estou falando de ética. Não é possível uma família de seis pessoas viver em condições tão precárias. Uma, dentre milhões, na mesma situação.
A gente escuta, debate, tenta enxergar todos os dias. E o que a gente faz de verdade? Fazemos a mesma coisa a que nos habituamos a fazer, dar um meio sorriso e prosseguir para as “nossas vidas”. Lá é cá.
É uma ilusão que impede a nossa evolução como seres ressonantes espiritual, material e afetivamente. O “lá e cá “ não existe, estamos conectados. O que acontece a um afetará o outro. Tive a oportunidade de me engajar a vários grupos de movimentos de inclusão social, via WhatsApp. Centenas de grupos determinados em rasgar a cortina de fumaça para a qual cada um de nós contribuiu.
Vi pessoas que não queriam apenas se livrar do que têm em casa, sem mais utilidade, mas queriam saber o que eles (na Comunidade) necessitavam e de que forma poderiam fazer chegar a eles.
Muitas pessoas me perguntaram como poderiam ajudar. Pessoas queridas oferecendo seu amor na forma que lhes é possível.
Laura, uma menina linda de seis anos, se propôs a dar em dobro tudo o que ganhasse de Natal. Preocupou-se também em fazer chegar, além de brinquedos, sapatos e roupas adequadas para ocasiões diferentes. Montou cada uma das sacolinhas colocando o nome de cada criança. Ideias dela, com a contribuição de uma avó amorosamente desperta para esse novo mundo. Aos meus amigos quero agradecer aqui e dizer que isso foi o amálgama que nos proporcionou fôlego para persistir. Cada gesto, cada contribuição, cada palavra de incentivo, calou forte. De verdade.
Não é fácil. Muitos momentos tensos, inclusive com os coordenadores se infectando, e o coração na boca para saber o desenrolar do dia a dia.
Ver que além de repartirem o que era recebido, à noite, após o trabalho na Comunidade (as tarefas caseiras e o próprio trabalho), redistribuíam aos moradores de rua. Foi a maior lição de esperança e humanidade que eu já vivi.
Como bem diz Vaclav Havel “It is also this hope, above all, which gives us the strength to live and continually to try new things, even in conditions that seem as hopeless as ours do, here and now.”
Para entrar na comunidade há de haver uma reverência que talvez não saibamos como utilizar. Com humildade, você entra e vai deixando as portas do seu coração abertas para que cada um, a seu tempo, lhe conte algo.
Com isso, eu teci, delicadamente, uma parceria. Ela deu frutos e vai expandir nos próximos anos.
Esse é meu compromisso com a parte que me foi possível fazer nesse momento. Fecho o ano com respeito e atenção a todos os que me ajudaram a ajudar.
Eu parei, olhei, escutei e peguei o trem que me levará à possibilidade de fazer algo que diminua as pontas sociais.
Este é meu desejo mais profundo.
Que cada um de nós faça algo que modifique o nosso entorno. Se engajar pra valer e fazer acontecer uma mudança. E se tiver que ancorar em algum lugar, que seja além do horizonte limitante.
Feliz 2021 amigos, com saúde e esperança!