Antes mesmo de chegar ao Spa naturista – em especial este que gosto tanto no Paraná, que é encravado em uma natureza prodigiosa -, ainda no carro que me transportava até lá, já sentia um profundo estado de alegria. Claro: eu sabia que seria cuidada, mimada, protegida dos males externos e que, de quebra, teria um bônus: perder uns quilinhos de forma saudável.
Não, nem todos que vem ao Spa querem emagrecer. A maioria, talvez, sim. Mas uma boa parte vem porque deseja simplesmente desestressar. Comer bem – e sem química! – alimentos orgânicos frescos. A ideia dos proprietários é essa; desintoxicar a mente e o corpo, com comidas saudáveis, descanso generoso e atividades físicas diversas. O repouso para eles é fundamental.
À noite, no quarto, recebo duas bolsas de água quente que me fazem quase regredir ao ponto uterino de onde vim, de tão delicioso que são. Há um silêncio piedoso ao redor. O sono chega de forma tão natural e tão cedo que causa espanto em todos aqui.
O dia seguinte se inicia com uma longa caminhada, às 6h20. Em princípio, minha mente não quer ir de maneira alguma, pois ficar sob edredons deliciosamente embalados em múltiplos fios egípcios parece ser a melhor das rendições. Mas o corpo vai me empurrando para o contato com a natureza, algo tão raro para quem vive em São Paulo, que não dá para não levar em consideração. Caminhar por essas trilhas, vendo o sol nascer emoldurado por um céu azul limpo, colorindo vagarosamente o entorno em vários tons rosáceos, sentindo todos os aromas desde plantações de morangos, passando por hortas, plantações de trigo, currais, riachos frescos, flores de todas as tonalidades, terra úmida, pomares, casinhas ao longo da estrada que é cortada pelo famoso “trilho do trem”.
–“Sra., onde fica a Igrejinha?”, pergunto.
–“Ah, moça, fica ali, ó. Depois do trilho do trem… Tá vendo?”
Claro que os meus olhos não enxergam tão longe como os dos camponeses, mas aceno que sim e prossigo.
–“Se eu me perder na caminhada, como saberei o caminho de volta?”
–“É só descer por aqui, ó! Virar ali e atravessar o trilho do trem.”
Aliás, o único som que se escuta ali, além dos passarinhos, é o do apito do trem.
Todas as pessoas que ali trabalham, sem exceção, são amáveis! “Silvana! Que delicia de sopa! Posso ter a receita?”, falo para a moça que serve o jantar.
“Mas que bom que gostou”, ela responde. “Vou já providenciar!” E antes de eu ir dormir, encontro no meu escaninho, em um envelope, a receita da sopa!
Todo esse ambiente envolvido de paz vai, gradualmente, propiciando um relaxamento em todas as suas defesas. Logo, percebo o quanto estava ‘encouraçada’ ao chegar. Sinto as mulheres mais reservadas, e entendo bem o motivo que as levaram a isso, a se economizarem. Percebo isso conversando com as que vou conhecendo por aqui, mas também as que conheço pela vida afora. Chamo isso de ‘auto-economia feminina’. Auto porque é minha também, claro, mas, sobretudo, porque nós mulheres somos mais doadoras e cuidadoras. Guardamos os nossos temores, anseios e lágrimas dentro de nós mesmas. Isso, de uma certa maneira, acaba por restringir sentimentos que ficam sem espaço de expansão, no dia a dia e na vida. E perceber que é possível apenas cuidar de si, sem nada ao redor para te distrair ou cobrar a sua atenção. É quase uma heresia cobiçada! Um egoísmo saudável…
Mas o que mais me chama a atenção são as texturas que vão surgindo, devagarinho, nas relações. Aos poucos, você começa a conversar com um e com outro e vai criando uma rede de novas amizades. Todos sabem que dificilmente se reencontrarão para além dos verdes prados. Trocar e-mails, Facebook e celulares é de praxe, mas nada que garanta eficiência na continuidade. As juras de ‘vamos combinar assim que chegarmos’ ficam por ali mesmo. Porém, o tempo convivido junto faz crer o contrário.
Mesmo assim, fiz boas amizades por aqui, que perduraram e perdurarão. As pessoas ficam leves e trocam experiências ricas; a maioria que frequenta o spa é muito interessante, com histórias de vida muito enriquecedoras e dinâmicas. Adoro!
Neste momento, me delicio ao conversar com Marina Silva, mulher que já admirava há anos, mas que a cada dia floresce um novo olhar para a sua essência que, a meu ver, é tecida de vários fios, todos bem arrematados pela sua integridade. Tal qual um imã que, magnetizado pela verdade em cada fala ou gesto delicado, elegante e sensível, a simplicidade dela – sem afetação alguma, porque ela é segura de si – exerce em mim e em todos que se aproximam um desejo de permanecer por longas horas a escutando. Marina tem interesse genuíno nas pessoas ao seu redor. Também conheci Shalon, a filha dela que é inteligente, articulada e delicada; uma moça bonita que traz consigo a mesma fibra materna! Elas e várias outras pessoas muito agradáveis, divertidas e interessantes estão por ali.
Outra coisa curiosa no Spa é que o tema central de aproximação inicial é, invariavelmente, a comida! Receitas são trocadas o tempo todo, ou então, dicas de restaurantes locais das cidades que habitam os novos amigos, ou de viagens. Em todos os locais, o tema comida está presente de forma lúdica, claro. Até dentro da sauna, suando bicas, a gente lembra de um novo prato que experimentamos em algum restaurante recém-inaugurado. Ou, ainda em tom divertido, um hóspede coloca ao lado da lista do jantar – que será um Luau com violão e fogueira no lago – uma sugestão de churrasco… Como não tem TV nem telefone nos quartos, jornal é artigo de luxo. E ele chega, quando chega, já bem no fim da tarde. Adicione aí uma pitada de internet bem precária e pouca conexão de celular. Tudo isso acaba conspirando a seu favor, por te levar a algo bem raro e precioso: prestar sincera atenção aos seus interlocutores.
Já repararam o que está acontecendo entre nós? Um pouco antes de vir para cá, estive em um jantar para poucas pessoas. Tudo era absolutamente impecável, com exceção do contato humano. Ele não existia! Uma pessoa te pergunta algo e, quando você vai responder, ela já virou a cabeça e está dando um gritinho estridente para a amiga que se aproxima vestindo o novo modelito X, que ela acabou de ver em Paris, mas puxa, que pena, não comprou! Faço cara de paisagem, sorrio sem graça pensando: “puxa, que pena, que além de você não comprar o vestido ainda me ignorou totalmente…”
E, assim, caminha a humanidade: para além da proteção das araucárias que contornam com altivez a Lapinha…
Aqui no spa, todos os dias, percebo um brilho incessante nas pessoas. Fico pensando que tudo isso nos habita, mas, sem o repouso apropriado, não damos espaço para que o melhor de nós mesmos nos incorpore.
Agradecer a cada pessoa que nos serve; aqueles que plantam as hortaliças celestiais; sentir o sabor de uma rúcula colhida na hora, regada com a água mais pura possível. Para mim, é uma sensação dos deuses… Agradecer aos bons tratos recebidos, desde a entrada, às recepcionistas, passando pelas enfermeiras, copeiras, cozinheiras, massagistas, professores de atividades físicas, arrumadeiras, fisioterapeutas, jardineiros, nutricionistas e os médicos…
Um deles, aliás, é um médico cubano que chegou aqui há mais de 20 anos, com muita esperança de encontrar o lar acolhedor que jamais sentiu em sua terra natal. É um homem bonito, doce, sensível e com olhos azuis que enxergam profundamente, como um raio x, sem que seja preciso explicar muita coisa! Outro, um senhor ‘prata da casa’, está aqui desde a inauguração e me diz com o seu indisfarçável sotaque alemão e sorriso largo: “faça com que, a cada dia da sua vida, na hora em que você acordar, ele seja o melhor de todos!”
Existe uma inocência que emana de todos que trabalham aqui, que me faz recobrar a paz de ser humana – muitas vezes, me desconsola a fraqueza da espécie. E enquanto ando pelo bosque repleto de árvores centenárias, vou lembrando de tantas histórias que fizeram a minha vida vibrar em uma oitava superior. Em especial uma, aqui mesmo, dentro dele, onde os cogumelos vermelhos com pintinhas brancas te levam, num piscar de olhos, ao País das Maravilhas.
Um amor profundamente amado, que já não me pertence mais. Mas não no sentido de posse, no da experiência amorosa, apenas porque a vida lhe cessou. E olhando as araucárias majestosas, sinto um vento agradável que faz as copas das árvores balançarem, lembro do que me foi dito sob essa mesma circunstância e que jamais sairá da minha mente:
–“Você é como esse vento: tira tudo do lugar, refresca a alma e, quando a gente quer te segurar, escapa das nossas mãos!” Mas, desta vez, não escapei: eu fiquei!
E isso a natureza também nos ensina: nada é permanente. O que nos faz ou nos fez felizes está lá, nem que sejam fractais na memória. O único conselho que posso oferecer é: não se economize. Pelo menos, não no amor. O amor é feito para ser tomado em grandes doses e esbanjado sem restrições, sem necessidade de bula. O efeito colateral de uma paixão é o aumento da sua sensibilidade aos acordes mais sutis da vida.
Enquanto escrevia isso, como uma catarse, percebi que, mais uma vez, os fios egípcios ganharam. Sim, perdi a caminhada, mas pude partilhar esse encantamento que todos nós podemos sentir junto à natureza exuberante e acolhedora. Sobretudo a nossa própria natureza, em estado de harmonia, que enaltece o mais singelo de nós mesmos em busca do melhor do outro.