Assistir à uma cerimônia judaica de Shabat (o sétimo dia da semana onde se propõe cessar todas as atividades) orquestrada pelo rabino argentino Ruben Sternschein, formado em filosofia e educação pela universidade Hebraica de Jerusalém, é sintonizar automaticamente com o inusitado. Sua voz jovial e forte caminha com eloquência do princípio ao final. Ele é circundado por essa energia carismática conquistada com simplicidade e proximidade de todos que lá estavam.
Observei atentamente um momento onde, ao listar a programação mensal, mencionou que o prefeito Fernando Haddad estaria lá, na próxima semana, para um bate papo com a congregação.
Havia mais de 400 pessoas na Sinagoga, e não vi manifestação alguma para além de respeito pela escolha do palestrante. Claro, em se tratando de um político, muitos poderiam não estar de acordo.
E não era um respeito de aceitação imposta pelo temor, algo um tanto comum em se tratando de religiões. Muito pelo contrário, pois o humor estava presente o tempo todo. Havia ali, naquele homem, uma presença verdadeira, alicerçada na sua experiência de vida, vivida.
A cerimônia fluía solta, leve, divertida…
Crianças, jovens, idosos todos ressonantes.
Gostoso de ver.
Sua erudição, harmonizada aos cantos litúrgicos, era de arrepiar.
Mas o que me fez suspender mais longamente a respiração foi a pergunta que ele provocou: “O que você faz com as bênçãos que recebe?”
Eu fiquei absorta nela. Realmente, o que imaginamos estar recebendo? De onde as recebemos? Se essa energia se manifesta de alguma forma, ou na fôrma que a nossa limitada subtração humana consegue nominar, o que ela é? Os dogmas estão aí para provar como empobrecemos a possibilidade de explorar para além do “seguramente conhecido”. Mas a verdade é que vivemos uma vida repleta de bênçãos diárias que ficam invisíveis – achatadas por nós mesmos.
Quantas vezes por dia a gente se lembra delas? Não falo de nada divino ou intangível. Falo do que nos permeia todos os dias, a todo momento, e não percebemos. O piloto automático que na Torá cessa uma vez na semana – do anoitecer da sexta feira, ao anoitecer do sábado, o Shabat – tem esse sentido, de parar para entender onde você se encontra. E para onde irá.
Não sou religiosa, mas vejo sabedoria nisso. Parar no lugar da ausência e lá permanecer. Parar e administrar a falta sem ter de completá-la com absolutamente nada além da presença dela. Difícil? Não é? Parar e nada fazer. As pessoas não conseguem parar, pois pega mal não produzir nada. A vida moderna é a da manutenção: todos os dias de nossas vidas, estamos correndo para alguma manutenção.
Fazemos “Planos de Saúde” para a falta dela. Curioso…
Tentamos desesperadamente subverter, em vão, o nosso prazo de validade.
Parar é perigoso porque te faz pensar…Pensar e não ter A resposta imediata é ter de lidar com a ansiedade nua e crua jogada no seu colo Parar para poder reciclar o excesso de alguma coisa que já te nutriu uma vez, mas que, agora, pode te intoxicar. Cada um sabe onde está o seu “parar de”…
As bênçãos são as oportunidades de parar, de apenas ficar com o que lá já estava, mas, talvez, fora de lugar. Sem modificar nada, apenas corrigindo a rota para o mais genuíno e menos arrogante que nos circunda; mas que poucas vezes ancora.
Bênçãos são os nossos GPS internos, para nos ajudar a acertar rumos desconectados – não estão fora e não vem de fora.
Benção é dar uma oportunidade de resetar o obsoleto. Acendemos as velas antes da primeira estrela nascer. E, ao iniciar o Shabat, não se acende mais nada fora de nós mesmos.
Não há palco, muito menos plateia: o show é dentro. Interno! E ele só se manifestará quando você parar. E, então, esse lugar mais assossegado de si mesmo, cerzido por calmarias e arrematado por você e mais ninguém, passa a ser, no fim das contas, a sua bênção maior.
![Lilian Kogan Lilian Kogan](/wp-content/uploads/2023/08/LK@0.5x.png)