Um amigo escritor acabara de ler um livro sobre as religiões islâmica e judaica, que o deixara com mais questionamentos do que convicções. O que para um escritor é bastante estimulante.
Animada com esse novo olhar para o tema, fui atrás de uma crônica que escrevi há uns cinco anos, após a prédica de um rabino reformista.
– Ah, Luciano, esse rabino é muito interessante, formado na USP em filosofia, e tem uma fala poética; peraí que já te mando a crônica que escrevi sobre ele.
Vou pro Word em busca do texto e qual não é minha surpresa ao deparar com todo meu arquivo em branco. Começa a busca frenética, a cabeça a mil tentando lembrar onde poderia estar. Tento de várias formas, buscando pela palavra central, ou pela última, nada. Volto pros backups, tudo ok e nada no Word. Tento outro texto mais recente. Zero! As pastas vazias!
O desespero tomando conta de mim.
Os olhos ficando úmidos e um nó na garganta prevendo o desastre – vai perder tudo, sussurrava a voz que eu não queria ouvir.
– Mas, Lilian, fala um amigo escritor de longa data, você escreve no iPhone? No notes? Sim, escrevo quando a inspiração vem, se estiver na areia e lá que vou escrever porque sou uma pessoa visual, gravo através do olhar.
Quantas vezes após sair de uma massagem onde o celular estava no vestuário, peguei uma caneta e comecei a escrever na mão. Um dos lugares em que brota não uma fonte, mas uma cascata de águas correntes é na maca de massagem. Mas escrevo no teatro, no cinema, no concerto…
Fico sempre entre relaxar e usufruir daquela experiência e memorizar para não esquecer a inspiração.
Alguns escritores relatam que têm essa mesma percepção após um sonho ou após uma bela caminhada. Eu tenho que correr atrás das palavras que não são benevolentes, rápidas, elas vêm em profusão e muito mais ágeis do que minhas mãos. Não esperam.
Às vezes, fico “costurando” uma a outra por horas, não percebo o tempo passar, tamanho prazer que tenho em unir palavras.
Lembro de uma conversa com meu filho sobre tentar mudar o meu vício de escrever no notes: mãe, escreve onde você quiser, não tem certo ou errado, mas depois põe num arquivo.
Sim, sim, tudo, achava eu, estava salvo no arquivo que agora, com as lágrimas correndo, descubro que sumiu!!
– Vai no IPad, Lilian, diz uma outra amiga escritora, deve estar lá.
Mais uma vez, volto pra buscar no iPad. Nada na nuvem, óbvio! No lap top, poucos ainda salvos.
Lili, diz um casal jovem, que trabalha em T.I, durante um almoço de família, onde a inapetência só aumentava em compasso com o desânimo – sempre coloca no Drive. Sim, agora já sei.
-Apple Store, diz um técnico piedoso depois de várias tentativas. Tenta lá, Lilian, eles são muito profissionais.
Fui na loja da Apple, já que estava lá por perto. “O técnico foi almoçar., ele vai te ajudar, tenho certeza” – diz o animado vendedor. Olho desolada para minha amiga. Fazer o quê? Passear um pouco pelo shopping e retornar à loja. Uma hora depois:
-Oi, o técnico chegou?
-Sim, tá lá.
Aponta um ser atrás de um balcão, nem precisaria ser especialista em terapia corporal, para ter certeza absoluta que ele não pestanejaria duas vezes pra mudar de emprego, já!
Sentado no fundo da loja, numa banqueta alta, com os braços sobre o balcão e as mãos apoiando o queixo, olhava pro nada.
Tento em tom de súplica contar o que houve, na esperança de trazê-lo para uma impossível empatia. Levanta meia sobrancelha, e me olha com desdém. E eu sei bem onde isso me pegou. Estar fora da área da juventude, que se atualiza a cada piscada de olhos, e sabe usar todos os arquivos possíveis com agilidade. Mesmo que eu me considere antenada, interessada, senti o peso da minha ignorância atrelada a pouca habilidade no mundo cibernético.
Não sei vocês, mas esses momentos de impotência onde se percebe que toda uma história e memórias salvas em um arquivo que agora poderia sim ser chamado com toda a propriedade de morto, e enterrado, me desestabilizou.
Olho o notes, agradecendo ao Dani, meu filho, por me incentivar a escrever onde eu quiser, o que no final das contas me salvou.
Infelizmente eram rascunhos sem a edição final. Só me restou pegar um por um e ir arquivando novamente.
Enquanto escrevo essa crônica – quase pedindo ajuda aos universitários que são os meus leitores que tanto estimo, uma trégua vai se fazendo em minha mente.
E aquela voz que eu não queria escutar, volta com o bom senso usual para dar um apoio: vamos lá, Lilian, respire fundo e mãos à obra.