Dias desses, peguei por curiosidade um desses pacotes de sopa instantânea, na gôndola de um supermercado.
Não faço uso deste produto, mas algo nele me chamou a atenção.
O rótulo era bem produzido, e a textura do papel laminado agradável ao toque e ao olhar. Parecia até saboroso e nutritivo. Sabe aquela hora que você dá até um sorrisinho consigo mesma e pensa “relaxa aí, vai?”, quem sabe esse aqui é bom de verdade. E “não contém Glúten!!” –
ressaltado em letras garrafais.
Para além do próprio significado, o “não contém glúten” que aparece enfaticamente traz a sensação de saúde, de um cuidado a mais, da inclusão na modernidade em um grupo seleto – e em evidência na prateleira! Tem a durabilidade dos eventos suscetíveis a serem suplantados por um novo modismo. Talvez por isso mesmo sejam mais atraentes.
Mas, quando virei a embalagem para ler os ingredientes, tudo mudou.
Tirando o “NÃO CONTÉM GLÚTEN”, tudo o mais era de proporção microscópica.
Ao ler os ingredientes, não conseguia reproduzir, nem em pensamento, mais da metade do que era composto o produto – aliás, nem sei como coube tanta coisa em um pacotinho…
Eram tão impronunciáveis as palavras, que nem para uma judia que consegue ler em questão de segundos qualquer sobrenome composto de 10 consoantes e apenas uma vogal (pergunte a qualquer judeu e verá que procede) era possível.
Como disse uma vez uma excelente professora naturista, “se você não consegue pronunciar, o estômago com certeza não conseguirá digerir.”
Bem, mas tudo isso para dizer que fiquei pensando a respeito de como nós estamos à mercê das embalagens com conteúdos precários – podem até alimentar, mas não te nutrem.
Esse é um perigo a que todos nós estamos expostos.
Em tempos velozes, o que salta aos olhos nem sempre é garantia de qualidade.
E isso não é apenas com sopas instantâneas. É com tudo!
Faltam critérios para uma observação mais profunda, calma e, principalmente, consciência individual para cada situação.
O ato automatizado está aniquilando o sensível.
As conversas estão mecânicas, ninguém presta atenção em ninguém.
É um mundo cheio de certezas, mas repleto de inseguranças.
Um mundo de lindas embalagens, de promessas de bem estar ilimitado, mas recheadas de remédios repressores, anti tudo: anti depressivos, anti impulsos naturais das crianças (a ritalina) e outros “antis” que reprimem a essência de cada um como indivíduo, tentando transformar a todos em pacotes aprazíveis. Embalagens com preservativos que seguem em direção oposta à vida!
A gente se convence rápido do que não queremos ver.
Viramos a embalagem para o lado mais agradável e menos complicado, aparentemente.
Ficamos com o externo, sem nos darmos ao trabalho de ver o conteúdo total. O que não aparece “de cara”.
Porém, se quisermos ver, a escolha está sempre à nossa espera, esta, sim, é sustentável, sistêmica.
“A pílula vermelha ou a azul?”, pergunta o oráculo de Matrix.
E nessa escolha temos de ter, mais uma vez, a consciência da perda.
Escolher é perder.
Ganha-se algo – e perde-se – em detrimento a uma escolha.
Isso vale para tudo na vida, da política, às relações pessoais mais íntimas.
Sempre estamos atados ao frágil fio da imagem.
Não vou nem aprofundar nessa nova onda dos selfies, do excesso narcísico.
A estrutura narcísica é pueril e receosa. Exige incessantemente da aprovação alheia, pois o vazio que carrega dentro de si, é extremamente doloroso.
O espelho narcísico é efêmero e, quebradiço, distorce a imagem.
Não há incremento nos vínculos afetivos reais.
“Uma modernidade líquida”, diria Bauman. Eu tenho medo dessa “geração embalagem” de conteúdo duvidoso, que se entende(?) de fora pra dentro pelas fotos que postam, pela imagem que desejam passar, pela alegria inocente dos falsos aplausos.
É uma geração muito pouco transgressora e criativa. Infantilizada e totalmente aprisionada à imagem, que tal qual o reflexo no lago de Narciso, nunca terão a certeza da durabilidade da mesma. Cria-se, então, um círculo vicioso, quase permanente, entre um estado de alerta, a manutenção da imagem e a ansiedade do fim próximo.
Mas existem outras saídas, basta apenas não se permitir entrar na linha de produção em série do #nãocontémglúten! e ficar à espera – nas prateleiras – de ser modernamente consumido!
A escolha está em nossas mãos, sempre, mas tem de nascer primeiro em nossas mentes – e elas precisam estar saudáveis.
Ou corremos o risco de levar ingenuamente o “Suco de Laranja na Caixinha da Fazenda da Vovó”, felizes da vida com tamanha aquisição de saúde, de forma tão prática!
Mal sabendo que de laranja não tem nada, nunca existiu uma fazenda e, muito menos, a coitadinha da vovó!!