Travessia do deserto do Atacama para o Altiplano Boliviano, março 2025
Subir a 4.800 m de altitude com umidade do ar a vinte por cento, temperatura de 5° C, um vento impiedoso e alguns apuros pela falta de oxigênio, e oxímetro a 76…
Mas nada disso impediu meu deslumbramento frente àquela paisagem que se renovava a cada minuto.
O som do silêncio e a magnitude do cenário pincelado por cores que mudam a cada nascer e pôr de sol impunham o respeito e a gratidão por aquilo que nos é dado de presente todos os dias. Observar as montanhas com seus cumes cobertos ora por neve, ora por cores que mudam a cada momento é algo impossível de se traduzir em palavras.
No contorno das montanhas, entre o céu e além, há uma gigantesca presença invisível. Uma força que sussurra a necessidade de mudarmos condicionamentos muito arraigados e que não se encaixam mais nos tempos atuais.
Somos fractais de uma mesma fagulha divina, e estamos nos perdendo quando queremos controlar o que nos confronta com a dualidade. Quando tudo é uno. Nós que fizemos essa separação. E a conta está chegando de uma forma assustadora.
Vivemos na ilusão dessa loucura acelerada onde não há espaço fértil para que a alegria genuína possa brotar. Nos submetemos ao caos enfurecido com a desculpa de que é “necessário” ou “importante” por algum motivo alheio ao nosso espírito. Caos que mais tira do que abençoa e só nos traz tristeza, esvaziamento da essência divina, impotência e depressão.
Pegamos atalhos desnecessários por falta de consciência ou coragem. Sem abundância na alma.
Ficou claro para mim que o único caminho possível e fértil é o do amor.
Somos seres muito barulhentos querendo distrações a qualquer custo. É preciso desacelerar para honrar aquilo que realmente importa. O tempo do divino é um templo onde não há pressa.
A travessia do deserto me fez questionar sobre o que fazer para preservar esse nosso universo? Qual deve ser minha contribuição? Como me comprometer com esse propósito? Por onde devo começar?
O vento frio batendo no rosto me lembra que é urgente despertar e agir.
Apreciar o silêncio da Natureza e o meu próprio, algo novo para mim, e que tenho cultivado e gostado muito. Me convidando a viver na presença de um som interno, como se fosse um hino ao sagrado.
Saio da Bolívia em estado de profundo maravilhamento não só pela exuberância da natureza, mas também pela beleza e doçura únicas do seu povo. Os motoristas param o carro com sorriso de criança toda vez que uma lhama ou alpaca pede passagem na estrada. Elas são a prioridade.
E qual é a nossa prioridade nessa vida que pulsa insistentemente para que possamos perceber que algo maior permeia a todos nós?
