“Avant tout et surtout, prodiguons la lumière.
Tout assainissement commence par une large ouverture de fenêtres.
Ouvrons les intelligences toutes grandes.
Aérons nos âmes”
Victor Hugo
A Medina -luz e sombra.
Gosto de observar a luz dos lugares por onde passo especialmente ao anoitecer, quando da rua vejo o interior das casas iluminadas.
Gosto mais ainda quando as luzes da rua são suaves, em tonalidades de âmbar.
Tem um pouco de tudo isso na Medina de Fez.
Mas uma coisa a mais chama a atenção.
A conjunção harmoniosa de luz e sombra.
Interiores por vezes escuros e exteriores claros, e vice-versa; ruelas escuras que te levam a antigos palácios transformados em locais públicos, iluminados pela luz natural tanto do sol, quanto da lua.
Em dias de música sacra, os arcos internos também ganham uma iluminação especial conspirando a favor do bom gosto.
E de quebra, a orquestra das andorinhas douradas que nos sobrevoavam o tempo todo, de forma tão sincrônica com o entorno, para mim foram esses pássaros os grandes menestréis do evento.
O Fesfestival de música sacra, e o fórum de debates da questão Palestina e Israel, com a participação de jornalistas, cineastas, políticos, embaixadores e escritores-foi muito bem denominado-”A Confederação dos Pássaros”.
A Confederação dos Pássaros, inspirou-se na fonte dos belos versos do poeta persa -Farîd od-dîn Áttâr-o livro foi traduzido diretamente para o francês pela escritora Leili Anvar (uma brilhante palestrante) com o nome de-Le Cantique des Oiseaux.
O Fesfestival merece um momento só para ele, farei em outro post.
Na Medina, há alegria genuína proveniente da sensibilidade e da mansidão que nutre todas as pessoas que por lá fui encontrando.
As crianças tem tempo para brincar, as mães para deixá-las brincar.
Os homens demonstram carinho pelos amigos sem nenhuma conotação maliciosa ou sexual. Jovens do mesmo sexo se tocam ao falar, de uma forma livre, sem pre conceitos ocidentais.
Reparei com humor e carinho, um jovem espremendo algo no rosto do seu amigo, tranquilo, ambos rindo e totalmente à vontade.
Os homens também são artesãos de mão cheia e o demonstram com muito orgulho!
A pobreza e o perigo de andar pela Medina que muitos haviam me alertado, não definiram tais sentimentos em mim. Não vi dessa forma, nem me senti ameaçada pela pobreza e o suposto perigo de andar pela Medina à toa.
Pelo contrário, numa noite após um dos concertos fomos andando e conversando com um grupo francês, não percebemos uma possível entrada para nosso Riad e nos perdemos. Ficamos um bom tempo no labirinto das ruelas, repleto de vendedores sedentos por ”fechar o caixa” daquele dia.
Escutava divertida, os preços despencarem numa passada de olhos pelas barracas. E ao mesmo tempo, pensava como era possível venderem tão barato e ainda com lucro!
As ruelas, aparentemente para olhos pouco treinados, são todas iguais.
Porém, mudam completamente, quando se está com alguém que conhece bem o lugar.
É curioso observar a rapidez com que te conduzem aos locais desejados.
Talvez por causa da minha constante curiosidade por tudo que está ao meu redor, ou porque tudo era tão diverso do meu cotidiano, o fato é que me perdi.
E perder-se na Medina foi mais um daqueles ”erros bem-vindos”.
Tudo em Fez me trouxe harmonia, que é o estado que mais aprecio na vida.
Como não existe quase nenhum estímulo externo, apenas cores suaves amareladas e por vezes descascadas nas paredes externas das casas, misturadas aos mosaicos no chão, o olhar e a audição (não entra carro na Medina) vão se apaziguando.
Adicione ainda um vento agradável que chega do deserto ao cair da tarde, trazendo consigo o aroma das flores da laranjeira.
Existe uma pausa sutil para que os sentidos se apurem.
Essa pausa se apresenta de diversas maneiras, a mais presente entre todas é a prece islâmica, semeada cinco vezes ao dia pelos alto-falantes da Medina.
Uma pausa, o de fora cessa e o que está dentro se expressa.
Expressa através do silêncio, da oração, e do partilhar o melhor de cada um em grupo.
Fez, a capital espiritual do Marrocos, e a maior Medina entre todas, deixou sua marca através da sua simplicidade, e de seus habitantes de coração franco.
Segundo um mestre Sufi que lá conheci, coração em árabe-Qalb-também significa-o que se movimenta para dentro.