Meu padrasto tinha um olhar bem atento em relação à cultura dos filhos. Levava muito a sério essa questão.
Certa vez, eu cantava uma música do Chico – Geni e o Zeppelin quando ele me disse: Não gosto dele.
– Por quê?? Eu amoooo o Chico!
Era o início dos anos 80 e ele não estava criticando a política da música nem do Chico.
– Ele plagiou essa música.
Eu respondi que ele estava totalmente errado. Imagina! Chico fez a letra e a música era linda. Aliás, até hoje, é a minha predileta. Comentei que ele precisava atualizar seu gosto musical. Eu falava escorada naquela arrogância básica da ignorância…
Ele levantou-se da mesa, foi até à biblioteca e pegou um livro: Bola de Sebo, de Guy de Maupassant. Estendendo o livro para mim, disse: Leia, depois conversamos.
Eu li. Ele tinha razão!
A história se passa em Ruen, na França, dentro de um ônibus, mas era o mesmo enredo. No lugar da Geni, era Bola de Sebo. Uma jovem e gorda prostituta que, com sua bondade, mesmo sendo isolada e desdenhada por todos durante a viagem, ao ver que não tinham mais comida, pois eram tempos de guerra, distribuiu os poucos pães e queijos que levara ao pequeno grupo burguês de passageiros.
Até serem parados por um comandante prussiano que só permitiu que continuassem a viagem se Bola de Sebo dormisse com ele. Ela reluta muito, mas vendo que poderia salvar a todos, e atendendo a pedidos, agora mais afáveis, domina o asco pelo comandante e dorme com ele.
No dia seguinte, já liberados para seguir viagem, as pessoas do ônibus mal falam com ela. Aquela desqualificada!
Como ela não havia comprado provisões para o restante da viagem, fica vendo todos comerem alegremente, sem partilhar com ela. Um livraço!
Mesmo assim, não acho que seja um plágio. Está mais para uma licença poética porque a letra da música é incrível, e isso é dele. E ademais, estamos falando de Chico, né? Ele pode…
Hoje, lembrei dessa história ao ouvir a música. Tenho saudade desses momentos. Sempre admirei a sabedoria do meu padrasto. Fico pensando se ele imaginava o impacto que sua sabedoria nos causava, mas a ausência e a idade mudam o tom da saudade.
Só uma coisa não mudou: Eu continuo fã do Chico!