No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto. (Paulo Leminski)
O que aconteceu com o bom senso das pessoas? Há algumas semanas tivemos uma enxurrada de “eventos” que foram levados ou desviados no meio do percurso pelo nosso olhar / falar ignorante e, sobretudo, prepotente. Nenhum adjetivo que desqualifique o substantivo me representa. Quando as pessoas adjetivam com esse propósito, elas diminuem e emburrecem qualquer possibilidade inteligente de troca. Quando o adjetivo para um descontentamento com algum governante se torna maior do que ele, como, por ex., “gordo safado”, “Pó de Neves”, “presiDanta”, “evangélica fanática” etc., acaba, aí, qualquer possibilidade de crédito a quem fala. Xingamentos são achatamentos verbais que empobrecem muito mais a quem os profere. Levam nada a lugar nenhum.
Mas o ocorrido com o Mantega me fez refletir sobre o estado elétrico que percorre o corpo emocional de muitos brasileiros. Eu não admito falta de respeito, principalmente com pessoas em estado de fragilidade. Fiquei preocupada com o vídeo que circulou na web em relação a esse ocorrido. Mas fiquei muito mais preocupada com a velocidade de julgamento de todos os “JUÍZES” da ética. Não vou entrar no mérito de cada uma das besteiras que li, tantas sem pé nem cabeça. Mas duas delas me tocaram de forma mais visceral: 1- o título da notícia: “Ministro é expulso de hospital” – A cena verdadeira – ou pelo menos o vídeo a que todos que comentaram tiveram acesso – se passa dentro de uma das lanchonetes do hospital. Portanto, não vi cena de expulsão alguma da instituição.
Havia também quem, com “poderes sobrenaturais”, pudesse enxergar, no mesmo vídeo, médicos no local o desqualificando. Mesmo que existissem médicos no local – o que também não está claro no vídeo – é um hospital, lembra? Não vi nenhum deles no exercício da medicina expulsando o Mantega e tampouco a esposa dele que, segundo alguns, estava ao seu lado – em outros posts, diziam que era ela que estava internada para tratamento. 2- que o hospital deveria levar em conta, e principalmente por isso, como uma comunidade judaica, que já sofreu tanto no passado (há até referência ao holocausto) pode se calar diante disso?
Como ela pode desferir algo do qual foi a maior vítima? Vi o vídeo que circula por aí várias vezes. Em nenhum momento eu vi A COMUNIDADE JUDAICA fazendo algo contra alguém. O que vi foram algumas pessoas (aliás, mais vozes de fundo do que pessoas ao vivo) expressando de forma agressiva e mal-educada, em minha opinião, um sentimento de revolta com algo. Totalmente fora do contexto, diga-se. Mas daí a usarem isso dessa forma capciosa, desviou muito do caminho.
Outros posts aproveitaram para falar do “hospital da elite”, e de uma “elite xyz”, e lá vai mais chumbo grosso adjetivando O TIPO de pessoa que frequenta esse hospital!! Mas que palhaçada é essa? Da mesma forma que não concordo que um homem seja mandado ao SUS como xingamento – me horroriza ver pessoas, com mais de 10 anos de idade, grudando etiquetas manufaturadas pela ignorância de alguns – sem o menor critério. O “payback” é, novamente, adjetivar o substantivo. “Hospital da elite”, “coxinhas” e por aí vai. Há saída para esse tipo de constrição? Não, né? A pessoa pública carrega com ela um duplo, um personagem que é difícil de desgrudar. Ela carrega o consciente de um grupo, mas carrega também o inconsciente do mesmo. Ela é porta-voz dessa situação.
Não quero justificar nada aqui, nem poderia. Mas quando vejo comentários que fazem o mais livre pedaço do meu pensamento se contrair… Fico querendo – talvez pela minha formação profissional – entender o que não está sendo dito, de maneira tão ensurdecedora. Da mesma forma que me indisponho quando vejo uma injustiça social com uma classe menos favorecida, o contrário me causa mal estar também. O que tem a haver um hospital de elite e, diga-se de passagem, que tem vários programas sociais, com a revolta de meia dúzia de pessoas? SUS e elite estão na mesma esteira de xingamentos – it rings a bell?
É muito perigoso pegar o todo pelas partes. Muito mesmo. Há muitos anos o publicitário Washington Olivetto fez uma campanha para a Folha de São Paulo, que na minha opinião foi uma de suas melhores criações. Na época, éramos muito próximos e Washington queria a opinião de uma judia, antes de apresentar para os executivos da Folha – para que não incorresse em nenhum ato que pudesse ofender a comunidade. O filme inicia com pequenos “pixels”, enquanto você, como espectador, só vê pequenas bolinhas pretas em uma tela de fundo branca, sem desenho algum. Então, a câmera vai se afastando lentamente enquanto uma voz grave, masculina, de fundo, vai enunciando e enaltecendo todos os predicados de um homem público, até então não revelado. Por fim, quando a câmera se afasta por completo e a música para abruptamente é que se vê a imagem total: Hitler!! Com os dizeres: “é possível falar um monte de mentiras, contando apenas a verdade”!
Que isso nos faça crescer e perceber o quanto desses “slogans” estamos engolindo sem degustar antes. Pior, sem escolher se é isso que queremos, antes de entrar junto com um monte de rebanhos em uma canoa furada. É… Nem sempre é preciso degustar algo para a gente saber que não nos faz bem!