É inadmissível que uma mãe tenha de dopar seu filho porque ele não se ADEQUA às regras da escola.
Uma moça inteligente, jovem e bonita me procurou para um conselho a respeito do seu filho.
A escola estava reclamando muito do garoto de 7 anos, pois ele só queria brincar e não gostava de estudar.
Escola bilíngue, rígida.
Em casa, outro martírio. O tempo que seria finalmente do brincar se transforma em tarefa de casa!!
E, claro, ele não gosta.
Quem gostaria?
Quando a mãe, que é a tradutora emocional da criança, fica manca do eixo intuição/percepção a respeito do seu filho, ficando à mercê do que é dito sobre ele, é claro que ocorre um desequilíbrio e o que realmente tem importância some de vista, turvando a lucidez.
Sabemos que a escola possui elementos importantes de observação de seus alunos. Mas, ainda assim, é um viés recortado do todo.
Esta escola, que atua para além do limite do que se espera dela, pede que a criança seja medicada em doses generosas de ritalina, indicando, inclusive, um psiquiatra a ser consultado.
Isso não é certo! A instituição educacional não está enxergando essa criança. Viola seus direitos porque o reduz às necessidades da empresa! Sim! Empresa querendo transformar as crianças em robôs. Seu filho sai da escola, outro será “contratado”.
A mãe se sente culpada por ter “errado” tanto na educação do seu rebento. E onde mesmo que ela achará conforto para os males da sua alma, agora totalmente angustiada?
Sim, no moderno meio psiquiátrico de repressão invisível – vulgo, antidepressivos, remédios para dormir… – teremos mães e filhos controlados quimicamente! Longe de mim extrapolar os limites de benefícios da psiquiatria. Considero, inclusive, que, em certos casos é de extrema importância. Mas o que me incomoda é a banalização da “receita infalível”. Pronto! Está feita a dobradinha preferida que amaldiçoa as crianças nos nossos dias.
Salvo raras exceções, esses medicamentos são uma maldição da indústria farmacêutica.
Como conseguem tamanha proeza?
Como as mães compram tão facilmente essa imposição?
Mas também há algo que se dizer das mães que superestimulam seus filhos à competitividade, ao exibicionismo, à disputas por medalhas e afins.
Temo muito por essa geração hiperinflacionada do narcisismo parental. As crianças são extenuantemente exibidas para todos as aplaudirem. Como se esse excesso de informações e atividades físicas pudessem forjar um ser melhor. Vejo exatamente o contrário, quando vejo os pequenos perguntando aos pais do que devem brincar! Isso mostra o quanto essas crianças estão sendo amputadas daquilo que lhes é mais natural: brincar – subir em árvores, se sujar, pular muros, correr, cair e ter, principalmente, o tempo livre, sem definição de prazo para criar seus próprios desenhos, por exemplo.
Criança precisa de espaço e a nossa sociedade está promovendo o contrário disso.
Lembro de uma criança de 6 anos me contando como era chato ficar na sala de aula, numa superescola de elite. A professora contando uma história e ninguém podia levantar para ver as ilustrações, que seriam mostradas ao término da mesma. Oi!?!!!!
Outra que me confidenciou na creche: “sabe que a tia bate na ‘porta feia’ todas as vezes que eu bato a cabeça na porta?”, disse-me um garoto de 5 anos, após ter dado pontapés na tal “porta feia”.
Pedi a ele que parasse de chutar a porta e escutar uma coisa que eu iria propor. Eu disse: “a porta não andou até você. Você estava tão animado com a brincadeira e não a percebeu ali.”
Ainda adicionei em tom divertido: “você já viu uma porta andar?”
Ele ouviu e, entre um choro e um semi sorriso, balançou negativamente a cabeça. “Vamos cuidar desse machucado que deve estar doendo muito, rapaz! E se você quiser voltar a brincar, tudo bem.”
Não durou mais do que dez minutos tudo isso! Dez minutos de consciência amorosa. Só! Bastou usar o bom senso. Que criança você acha que esta formando colocando sempre a culpa em algo externo, ou nos outros?
O mesmo valia com as vacinas que elas precisavam tomar.
Ouvi várias vezes as enfermeiras auxiliares dizendo “não vai doer nada!”
–“Como não? Uma picada na sua bunda não dói?”
De novo, dez minutos e pegamos a criança no colo, asseguramos que dói, é chato mesmo, mas que dor logo iria passar.
Com delicadeza e verdade!
Uma vez em uma livraria, eu folheava uns livros de arte.
Próximo de mim, um garoto em torno de seus 12 anos folheava ruidosamente alguns livros. Notava-se claramente que ele era tímido e que queria chamar a atenção do pai. Este não lhe dava a mínima bola.
Ele olhou para mim, talvez porque percebeu que eu o olhava com o canto dos olhos. Disse a ele: “dá vontade de levar todos, não é?”
Ele deu de ombros.
De repente, o menino derrubou um livro pesado no chão, dobrando várias folhas.
O pai virou-se para ele e deu uma bronca desproporcional.
O menino encolheu. O pai se afastou até o caixa.
Me aproximei do garoto e disse: “não foi sua culpa. O livro é muito pesado mesmo!”
Se algo mudou? Provavelmente não, mas, pelo menos, ele pôde ter três minutos de atenção de alguém que o enxergou.
Se não dermos às crianças as condições amorosas necessárias, de que fonte elas poderão se nutrir no futuro?
Esse era sempre meu lema na creche. Os melhores livros, as melhores oportunidades, os melhores professores (todos que eu havia conhecido na minha época de PUC).
Várias crianças que saíram de lá puderam entrar em boas escolas.
Gostei uma vez de um relato do Castor, diretor do Gracinha, que ao ver uma criança sendo chamada à atenção por estar correndo no corredor, escutou da mesma: “ué! Corredor não é pra correr?”
E desde aquele dia ele mudou algumas regras na escola.
Bacana, deu espaço para o novo entrar.
Lembro da primeira reunião de pais na escola Casa Redonda, da Peo.
Todos os pais convidados a se sentarem em mesinhas, com lindas toalhas de linho branco.
E a Peo, com sua voz de profunda suavidade baiana, nos disse: “olhe gente, eu os convido essa noite para celebrarem vossos filhos. Não sou mãe, mas sei do esforço que é criar um filho. Sei também como educadora [fundadora do Vera Cruz] do quanto de culpa é colocada sobre os pais, pela educação ESPERADA de seus filhos.
Portanto, eu os chamei aqui para celebrarmos a vida e a vinda desses seres especiais para esse planeta.”
Ofereceu então uma sopa perfumada de rosas comestíveis ao som de uma música agradável.
E se erguêssemos um pouco mais os olhos, veríamos a lua cheia no teto arredondado de vidro, naquela casa, totalmente integrada à uma natureza benevolente.
Minha sopa foi de rosas e lágrimas. De felicidade.
A presença do adulto, sua postura gentil de escuta, e o tempo individual de cada uma daquelas crianças – cinco a seis professores para um grupo de, no máximo, 25 crianças – permite um melhor acesso à informação desejada – crianças livres, responsáveis pelas suas escolhas.
Havia, lá na Casa Redonda, uma criança que, por ter perdido um familiar, fazia um ritual de se esconder sob a areia.
Pedia para ser coberto até o pescoço. Esse ritual durou um mês. Amigos o chamavam constantemente para brincar. E eram desencorajados de persistir pelas professoras que explicavam que ele precisava ficar assim, até quando achasse suficiente.
Até que um dia, o garoto, que mais uma vez havia sido solicitado a brincar pelos amigos, levanta-se e diz: “ok! Eu vou! Puxa vida, nem morrer mais em paz a gente consegue!!?”
O luto havia sido elaborado a seu modo. No seu tempo. Com a presença constante dos professores, mas sem invasão.
A elaboração deve ser sempre de dentro para fora! E a criança que tem esse tempo interno respeitado pelos adultos, e mais, protegida por eles, tem a sua dignidade assegurada.
Uma escola que acolhe, não exclui. Muito menos impõe. Acolhe todos os movimentos, tem tempo para deixar brincar. Dá o tempo do individual florescer a seu modo. Escuta, e muito! E isso não significa permitir tudo. Ao contrário: percebi que as crianças em estado naturalmente livres são as que mais respeitam as regras da escola. São as que mais tem consciência do espaço alheio. Porque faz sentido! Porque estão plenas.
Nunca ouvi uma voz mais elevada na Casa Redonda.
Todos os obstáculos eram contornados com a conscientização das crianças para com a situação.
Crianças felizes não são excitadas. São alegres e muito sérias ao brincar.
Quem não sabe levar o brincar a sério não pode educar.
Não deixe ninguém tirar a infância de seus filhos; mude de escola!