Estamos na loja da minha filha, em Barcelona. O bairro é o Gótico, super charmoso e agitado, onde os pedestres têm a preferência.
Era o início de uma agradável e iluminada noite de verão. As ruas repletas de jovens com taças de cava em uma mão e o Dju – a coqueluche do cigarrinho eletrônico de sabores exóticos vendidos em todas as esquinas – na outra. Crianças equilibrando bolas de sorvetes coloridas que já escorriam pelos dedos; velhinhas de braços dados rindo alto; skatistas ocupando toda a rua; um grupo de amigos discutindo qual direção tomar naquele labirinto de ruelas medievais, turistas de todas as partes do mundo encantados com tanta opção de sabores, aromas, artes visuais, músicas e entretenimento. Tudo na rua, uma genuína preocupação da prefeitura em oferecer aos cidadãos uma vida com qualidade. Há incentivos para ter apartamentos menores e tudo o que você precisar estará à sua disposição, na rua.
Lembro, logo que cheguei, de ficar encantada ao ver parques repletos de crianças, abertos até tarde da noite, parques para cães, pracinhas com bancos e mesas onde você pode comer o próprio lanche que levou de casa, ou comprou em outro lugar, tudo permitido. Quitandas orgânicas e pequenos mercados em cada esquina, farmácias, lavanderias, padarias onde tudo acontece a cada manhã. Mercadinhos de conveniência, os famosos “Paks”, o apelido que deram aos estabelecimentos dos paquistaneses que eu achava até simpático, mas fui alertada por um amigo espanhol: “nunca os chame assim, ficam ofendidos.” Vendem um pouco de tudo, parecido às Kombinis -aquelas divertidas lojas de conveniência esparramadas por Tokio, só que menores e menos atraentes. Ficam abertas 24 horas. Quantas vezes durante jantares caseiros, algum de nós descia correndo para comprar algum item faltante para cozinhar ou quando percebíamos que o vinho não ia durar toda prosa que tínhamos ainda pra trocar. Realmente uma facilidade. Ah, e uma coisa que fazíamos era cada um levar seu saco de lixo após o jantar, e depositar nos containers apropriados fora do prédio. Outra coisa que me surpreendeu positivamente logo que cheguei na rua do meu apê, muitas lixeiras coloridas, para cada tipo de lixo e de fácil acesso.
Bem, mas voltando ao bairro Gótico e à nossa história, naquele fim de tarde, entra na loja um moço jovem, bonito e corpulento.
Na hora lembrei de dois ou três atores espanhóis capazes de aquecer a mais gélida das mulheres. Não ousei olhar para minha filha porque ela – uma eterna gozadora- com certeza já estava vasculhando divertidamente meu pensamento.
Perguntamos no que poderíamos ajudá-lo, visto que ele não parecia muito interessado nos produtos que tínhamos a oferecer: lenços, biquínis e acessórios. A bem da verdade ele mais parecia estar se escondendo de algo.
Ele diz: eu não estou aqui para comprar. Falou de uma forma simples e simpática.
Nos entreolhamos, eu e minha filha, sem entender.
Ele percebe e explica: sou um policial à paisana, estamos observando um possível roubo na loja da frente. Posso ficar aqui um pouco?
Consentimos, claro! Minha filha olha pra mim com um sorrisinho nos lábios.
Ele faz um discreto sinal para que o outro policial à paisana, que estava dentro da loja da frente, venha para dentro da nossa loja.
Mais espantadas, nos aproximamos.
Estava curiosa.
Perguntei: Você pode nos contar como descobriram?
Enquanto isso, minha filha me diz que lembrou de já tê-lo visto (o ator espanhol, digo, o policial corpulento) andando pela rua da sua loja.
O que passa pela minha cabeça, eu, moradora de São Paulo?
Será que seremos assaltadas pelos “policiais à paisana”?
No mesmo instante em que esse pensamento deslocado tentava fazer pouso, eles nos mostram dois sujeitos jovens que poderiam estar roubando pelas táticas que estavam a observar há algum tempo.
Eles nos explicam que uma pessoa que vai furtar, olha mais o entorno do que o produto e eles já haviam notado um movimento similar dessa mesma dupla em outra loja.
Minutos depois, os dois policiais estão dentro da loja da frente.
Os suspeitos são algemados, a vendedora atônita confere se faltava algum produto.
Sim! Faltavam dois produtos!
Eles são algemados, e depois de uma longa conversa e a devolução dos itens roubados, são liberados.
Os policiais voltam à nossa loja para agradecer.
E como achamos bizarro tudo isso, perguntamos o motivo de tê-los liberados tão facilmente.
Na Espanha não se pode levar à delegacia furtos abaixo de €400!!!
Eu comecei a rir e perguntei se era sério mesmo.
O simpático e corpulento policial sorriu e disse: aqui na Espanha tem muita coisa boa, mas tem umas coisas estranhas como essa que acabaram de ver…
Só pra aguçar a curiosidade de vocês, a loja da frente é um Sex Shop!
(Está crônica foi escrita em 2018, na época que morei alguns meses fora do Brasil.)
Ótima. Novamente, um primor de crônica, despertando o desejo de conhecer melhor outras culturas, lugares e pessoas.