Alice para na frente da escultura que fica em cima do aparador da sala, observando com atenção. Olhava na frente, esgueirava o rostinho para ver atrás.
A escultura é uma mulher em pé, com o corpo curvilíneo em um movimento para trás formando um perfil de meia lua.
Lânguida, corpo nu prateado com um coração em relevo vermelho no peito. Seu cabelo em forma de espiral para o alto faz um semicírculo.
Suas mãos nas costas têm uma corrente enlaçando os pulsos que, originalmente, as prendia até a base vermelha e prata.
Alice olha para mim e pergunta:
– Vovó porque essa estátua está com a corrente solta?
– É uma escultura, e está solta porque eu cortei a corrente da base. Não queria vê-la presa. As mãos estão unidas pela corrente, mas elas agora estão soltas da base. Queria que ela pudesse voar.
– Mas ela é uma escultura, vovó. Não tem como voar.
– É uma forma de falar, Alice. O desejo de que nenhuma mulher se sinta presa. É um símbolo, algo que representa um desejo.
– Vovó, acho muito interessante isso tudo. Mas se você não queria uma mulher presa por que comprou essa escultura?
– Porque eu não tinha essa consciência quando comprei. Na verdade, foi uma amiga que reparou nisso. Depois desse dia, não consegui mais ver essa peça sem libertá-la.
– O que é ter consciência?
– É algo assim: você está brincando com dois amigos, uma amiga chega e quer entrar na brincadeira, ninguém percebe porque estão ocupados brincando. De repente, você presta atenção na menina e a chama pra brincar. Isso é consciência. Algo que antes você não percebia porque não tinha prestado atenção, muda de um momento para o outro.
Talvez você possa me dizer que a escultura já era daquela forma, mas mudou a minha forma de ver. Deu pra entender?
– Deu sim, vovó. Mas a menina também pode pedir para brincar, né?
– Sim, pode, mas ela pode estar envergonhada em pedir.
– A Thalita tem vergonha em pedir porque ela veio do México, e fica com vergonha de não falar direito português.
– Isso mesmo Alice, você notou algo importante, e a sua gentileza pode ajudá-la a perder a vergonha na próxima vez. Faz bem para todos. O que acha disso?
– Acho legal.
Eu passei a semana toda pensando nisso: A arte por si só já é uma ampliação da consciência para além da estética que também é relativa.
No meu caso eu era bem mais jovem quando comprei essa escultura, com um olhar menos desenvolvido e sem muita profundidade para unir a beleza pela qual me encantei com a peça, com uma percepção mais abrangente do sentimento que ela produzia em mim.
O ampliar da consciência tem anéis sutis de reverberação em todos a nossa volta. E que responsabilidade ensinar quem está chegando!
Por outro lado, essa conversa me deixou feliz por ver que Alice, do alto dos seus sete anos, já tem um olhar atento e perspicaz para as sutilezas da vida.
Vai Alice descobrir o mundo sem correntes.
#ashistoriasdealice7