Para os judeus esse é o renovar de um ano.
Para mim, é o recobrar da esperança para que aprendamos o significado mais profundo da temperança. “Temperança é autocontrole, autodomínio, renúncia, moderação, equilíbrio. (…)É próprio da temperança o cuidado conosco, com os outros e com a natureza. Essa virtude serve para trazer serenidade para a alma, equilíbrio interior, domínio da própria vontade e dos impulsos”.
Que saibamos entender o sentido de estarmos sóbrios espiritualmente num momento tão desesperador para todos os povos do planeta.
Esse é um ano de profundas restaurações na fé, tão abalada em 2020. Um ano que persevera tentando, bravamente, transpassar a dor imensa das perdas e do medo constante, para que a vida seja honrada. Da enorme oportunidade de percebermos a conexão maior com tudo o que a humanidade está passando. O Planeta parou. Ele nos deu essa única oportunidade. O que afeta um afeta a todos. Não temos mais o direito de não olhar o próximo. Não tem mais espaço. Isso é a morte em vida, e nós queremos viver. E nós precisamos sobreviver.
Um ano que, talvez pela primeira vez, os esquecidos, os deixados de lado, os invisíveis tomem a dianteira e nossos olhos comecem a sair da auto escuridão para enxergar, de verdade, os nossos irmãos.
Um vírus vem nos mostrar que estamos conectados, mas terrivelmente sós. Quem passou pela contaminação sabe o que isso significa. Não há espaço para chorarmos os entes, que são levados sem podermos, ao menos, nos despedir.
Rosh Hashana, me faz lembrar a união da família, a importância dos laços familiares, ainda abalados nesse ano. A fileira das matriarcas na Sinagoga. Mãe, avós, tias, tias-avós, primas, irmãs, sobrinhas. Minhas mulheres sábias que choravam os entes queridos mortos no holocausto. Eu olhava para elas e sentia um aperto na garganta, mas não entendia bem qual era o exato motivo.
Sinto essa dimensão profunda do feminino nessa data, quando escuto o toque do Shofar, uma espécie de corneta feita do chifre de carneiro (o dócil animal), por onde simbolicamente o ar nele soprado, perpassará a docilidade, de fora para dentro e para fora novamente. Os sons iniciais são entrecortados até o último sopro longo. Nos curtos, você tem a chance de repensar e se revisitar, para que o seu melhor possa tomar forma. Para que você seja um mensageiro da paz. No longo, você sela o compromisso com a sua inscrição no livro Vida.
O sopro, que é o ar, é o Espirito, que no hebraico são quase sinônimos. O ar puro que tanto precisamos para oxigenar nossos espíritos.
Hoje, mais do que nunca, quando eu ouvir a canção que consagra o Yom Kipur, o Havinu Malkeinu – dez dias após o novo ano – vou lembrar que a solidão, de cada uma das minhas matriarcas, era uma proteção para que eu entendesse o significado de estar só e, ainda assim, poder fazer algo pelo outro. E esse é o sentido maior de um coletivo, que se sustenta apesar de tudo. E a inclusão urgente de uma família planetária nunca se fez tão presente. É preciso in-corpo-orar!
Que possamos aprender com esse momento do planeta Terra, e que entendamos de uma vez por todas, que não existe solidão maior do que a indiferença aos que necessitam de nós. É o meu desejo.
Shana Tova! 🍯 🐝 🍎